segunda-feira, 2 de abril de 2012

O DESPERTAR

Duas cutucadas fortes são o suficiente para faze-lo abrir os olhos e se levantar. Sua confusão é evidente e o interlocutor apressa-se para ajuda-lo a com o braço estendido.

- Olá, tudo bem contigo?

Nunca ouvira aquela voz antes, e ainda não conseguindo se localizar, balançou a cabeça afirmativamente enquanto tentava fazer com que seus olhos se acostumassem à claridade.
Quando finalmente conseguiu enxergar percebeu que estava no topo de um morro, com campos verdes as suas costas, uma bela floresta a sua esquerda, um vilarejo à direita e uma belíssima praia à frente, uns 300 metros descendo a ladeira. Estranhou, contudo, o silencio.
O dia era claro, sol bem no alto, poucas nuvens e uma leve brisa em direção ao oceano. Deveria estar suando, mas o clima era estranhamente perfeito, não sentia calor ou frio.

- É bem estranha a sensação, não?

Ele tinha esquecido do desconhecido que o acordara. Um rapaz alto e forte, com duas pranchas de surf sobre os braços e um sorriso sincero no rosto. Olhava para ele com curiosidade.
Tudo era muito estranho, um silencio ensurdecedor em sua cabeça, sem qualquer lembrança de como havia chegado ali, aliás, mal lembrava quem ele era.
Parece que passaram-se anos sem um pensamento claro. Sem ouvir dezenas de vozes em sua cabeça  e ainda estava se acostumando com a velocidade do próprio pensamento.

- E aí, vamos para a praia? Perguntou o rapaz lhe estendendo uma das pranchas.

Pegando-a logo a reconheceu. Parecia que nunca tinha saído do lado dela. A prancha se encaixou como uma luva embaixo de seus braços.

- Vamos.

Respondeu sem muita certeza do que queria ou poderia fazer ali.

- Só eu venho surfar nesta praia. Poucos vêem aqui. Dizem que a onda é "esquisita". Eu acho ela demais, mas sinto falta de companhia as vezes. Hoje tem uns 6 pés.

Mal o rapaz acabou de falar os dois chegaram a praia juntamente com uma série de umas 4 ondas, uma mais perfeita que a outra. Quando a primeira massa de agua atingiu a bancada ambos presenciaram um expresso assassino para a direita, 4 ou 5 sessões bem distintas, intercalando tubos e paredes velozes "bem em pé" sobre um fundo que parecia mais raso que o aconselhável, sem um segundo de alívio, do drop até a baia onde a onda morria.

- Eles me falaram que você gostaria deste pico. Disse o rapaz.
- Eles quem? Apressou-se a perguntar.
- O pessoal do vilarejo.

Mesmo sem entender quase nada, se sentiu compelido a cair no mar com seu jovem e desconhecido amigo. Sua prancha parecia a mesma de sempre. Segura, fiel, os braços pareciam mais poderosos que nunca. A mente rápida e clara e ondas perfeitas. Realmente, ele gostou do lugar, da onda e do desafio.
Enquanto remavam o jovem dava algumas dicas. Na realidade falava pelos cotovelos. Ele já não o escutava mais desde a primeira onda furada. Já estava captando as energias do lugar, percebendo as nuances da onda enquanto ela se dobrava em velocidade assustadora pela bancada. O jovem não havia percebido, mas ele já conversava com a onda mentalmente, e talvez já a conhecesse melhor que o frequentador do pico.
Sua memória sobre o surf, o seu surf, começou a voltar no momento em que pisou na agua. Cristalina como poucas vezes havia  visto...
Ele deixou seu amigo ir na primeira. Lembrou como havia feito isso poucas vezes e sorriu pela primeira vez. Deixou as duas seguintes passarem, queria uma maior e queria um expectador sem linhas na frente para observa-lo.
Remou com segurança, dropou propositalmente atrasado e em menos de um segundo estava em pé, de braços relaxados num salão azul. Passou a primeira sessão e percebeu que a onda é porrada ou porrada e passou por seu novo amigo a 200 por hora para se projetar ao lip destruindo-o por completo.
Retornando ao line up, viu que seu amigo de sotaque yankee era realmente muito bom e vinha destruindo outra bela onda.
Após um par de tubos para cada um ambos se encontraram no outside.

- Desde que cheguei aqui eu surfo esta onda sozinho.
- Ela é fenomenal! Respondeu lembrando que sequer sabia o nome de seu novo amigo.
- Eu estava te esperando. Me falaram que você iria me dar uma força...
- Te dar uma força? Quem é você?
- Me falaram do que você fez, do que optou por passar em busca da evolução espiritual e em como você cumpriu sua missão. Me pediram que eu o recepcionasse. Disseram que somos parecidos e conversando comigo você se adaptaria mais rapidamente.

Ouvindo aquelas palavras, suavemente sua mente começou a rememorar tudo o que se passou. Seus pais, seu irmão, sua família, sua infância, sua juventude, suas vitórias, seus erros, a confusão mental, as vozes, a esquizofrenia e a cruz carregada.

- Me pediram para lhe dar as boas vindas. É sempre especial a chegada de um espirito de luz aqui e me senti honrado em recepciona-lo. Mas ainda não sei no que você pode me dar uma força, no surf acho que não é, né?

Michael Peterson olhou o jovem rapaz por entre suas franjas e coçou o bigode com um sorriso maroto, disparando em seguida para o outside. O jovem, que já se chamou Andy Irons, logo percebeu que não devia ter cutucado aquela onça com uma vara tão curta...
Após uma sessão épica, ele disse: "Rapaz...calou minha boca....Um dia ainda vou te apresentar um careca que conheci..."

A tristeza da morte não pode encobrir o fato dela se tratar de uma passagem que todos enfrentaremos no caminho da evolução e de que o destino único de todos é a felicidade.


RIP MP 24/09/1952 - 29/03/2012






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obs: texto inspirado numa coluna do Júlio Adler publicado na revista Hardcore de .../.... (tão logo ache a revista em casa coloco o mês e o título da publicação, mas basicamente relata a chegada de AI no outro andar...)

p.s: todas as fotos foram obtidas digitando Michael Peterson no google, não localizei os autores originais, salvo aquelas que os possuem diretamente na imagem.

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